martes, 7 de febrero de 2017

As naus, de António Lobo Antunes

(El párrafo corresponde al capítulo 12 de la novela)


Nessa época do ano, quase em outubro, ainda havia meia dúzia de pessoas de férias na Ericeira e alguns toldos na praia gelada, diante de ruelas de chalés semelhantes a urinóis antigos, invadidos por vinhas-virgens e escorpiões. O vento trazia consigo os carriles de Mafra que soavam como o olhar remoto de avós evaporado. O outono e a cinza dos seus fumos fazia-os sentirem-se numa vila quase deserta com raros grumetes nas calçadas estreitas, traineiras que nunca largavam para o mar e pessoas tão idosas quanto eles no adro da igreja vazia, de Santos de talha inclinados em ameaças tenebrosas. O frio oxidada as agulhas da máquina de costura sem trabalho, apesar da esposa arrancar os botões de todas as camisas e de todos os casacos pelo puro hábito de os pegar de novo. Promessas de chuva desuniam as cornijas dos telhados. As árvores definhavam a praça, jogando ao acaso os membros esquartejados de quatro ou cinco ramos em pânico. O café da manhã possuía o sabor do lodo que trepava, de acordo com os suspiros da água, nos ralos a molhados dos bidés. O retrato nupcial era uma mancha já totalmente indistinta, desprovida de qualquer contorno salvo o sorriso imaginado da mulher que crava de vergonha e de surpresa. O marido lembrou-se da última ocasião em que lhe escutará a voz, em Bissau, para dizer, após cinquenta e três anos de África, já não pertenço aqui, e de como tinham perdido por inteiro o costume de falar, dialogando um com outro por intermédio de um alfabeto esquemático de gestos evasivos, e decidiu convidá-la, à pesar da idade, a passar a vida a limpo, desde o início, num ponto qualquer do mundo.


—Até o Pólo Norte, argumentou ele, é de certeza melhor do que está coisa.


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